Bola de Capotão
Parte I
Bola de capotão é coisa de antigamente, o que faz de mim um cara antigo. Quando me vejo tão rico em memórias da infância e adolescência e não me lembro dos resultados da última rodada, se haviam dúvidas, já não as posso ter: sou mesmo um cara antigo. E são dessas reminiscências de um passado lá ao longe, que cada vez mais compõe meu pacote de memórias, que quero falar. Uma catarse quase necessária na ânsia de compartilhamento e antes que, também elas, confundam-se entre si deixando-me órfão de minha própria história, condenado a repetir por aí lengalengas em incoerente e chato discurso entre cochilos, que ninguém mais quererá ouvir.
Não vou falar de doenças nem de remédios, tampouco de namoradas e de primeiras vezes. Sequer da família, seus conflitos e alegrias, como também não dos estudos, colégios, professores, formaturas e demais chatices. Pai e mãe, só de passagem para compor o quadro.
Mas o que resta para falar então? Muito. Sobra o futebol, sobra minha bola de capotão. Sobram meus amigos, minha turma, minha pequena cidade do interior. Resta o meu campo de futebol, o “próprio da municipalidade”, cuja grama rala era também partilhada com os cavalos da prefeitura. Sobram as “peladas” e tudo que representaram nas fantasias, sonhos e realizações de uma criança como tantas outras, como em todos os tempos, o que faz de minha história, não um ranço mofado perdido no passado, mas algo que se renova a cada dia nas experiências de cada criança, ou muitas delas. Crianças correndo atrás de uma bola, centenas de Kakas, Ronaldinhos, Patos e Willians. Pés no chão ou pés nos nikes, com camisas versus sem. Cabeças avoadas, corações de pura paixão e ouvidos ensurdecidos pelo alarido de imaginários Morumbis, Pacaembus, Maracanãs.
Mas minha história é a história de um grosso.
Não o Grosso, brilhante lateral da seleção italiana, um dos melhores da copa de 2006. Não, não este. Mas grosso, sem habilidades, que mais atrapalha que ajuda, o não confiável, o que não se quer no time. Pode até ser esforçado, aplicado, correr como um cavalo sem rumo, mas nada rende, nada faz de bom, de proveitoso. Aquele que pede a bola e ninguém dá e que, quando a rouba, tem de passar logo antes que a perca. É o infeliz que acaba como gandula, única forma de tocar na pelota com alguma utilidade.
Continua ainda esta semana!
7 comentários:
Ai que saudades do capotão.....
depois que o couro se acabava, sobrava a borracha.... muito futebol pela frente ainda restava...
gostoso entretenimento...
não conhecia o blog, gostei...
Tempos bons e não tão antigos assim.
Ansioso pelo que vem pela frente.
Delicioso.
"Novela" num blog de futebol...surpreendente!
Salvou a madrugada. Quero mais.
e tem mais, beirinha-sp, quando furava, era só abrir um ou dois gomos, consertar com remendo de bicicleta, costurar novamente, encher, cuspe na válvula para verificar vazamento e continuar jogando. Maravilha o capotão.
É...eu não passei pelo capotão não. Mas "o dono da bola"...isso sim! De geração em geração. Hoje em dia não só da bola, mas do playstation, do diabolô... Quisera nossas crianças terem vivido tão mais livres quanto o manezinho da escrita. Com certeza seriam pessoas melhores e mais felizes.
Adorei a leitura. E principalmente da qualidade da escrita!
Parabéns pessoal!
Cada vez melhor o blog viu!
Remendar bola.... daí aprendi a remendar meu peneu da bicicleta... nunca mais gastei com borracheiro...
que beleza.....
Se não tem nenhum boleiro por aqui, pelo visto, lá vem nossa história.... grossos uni-vos!!!
To seguindo. Divertido.
Coisa de interiorzão mesmo.
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