Bola de Capotão
Parte II
E eu fui um deles, um dos maiores. Mas fui também o mais teimoso, nunca desisti. Lembro-me até hoje, rejeitado, posto de lado numa interminável reserva, intimidado, olhar medroso para os bons, os que estavam sempre lá, os que nunca me viam; aquele “timaço”:
Peixito, Laércio e Tuta; Cheque, Calango e Calanguinho; Valdenir, Celso, Pelé, Landinho e Zé Pindoba. No banco: Piuí, Zé Ito e eu.
Piuí e Zé Ito eram mais moços, franzinos e muito ruins de bola. Meus amigos, colegas de infortúnio, passávamos horas à beira do gramado na espera de alguma chance de jogar. Que banco era aquele! E nós, titulares absolutos dele.
Nem todos os grossos são iguais, há diversas categorias deles e os desafortunados migram de uma para outra numa triste sucessão sem fim, só interrompida por desistência. Grosso nunca deixa de ser grosso, pode até melhorar um bocadinho, mas só consegue passar para outra categoria de grosso, jamais será bom de bola, nem com todo esforço do mundo. Vejamos algumas:
O grosso “meio grosso”: é o que, vez por outra, consegue executar um passe, tem um chute, digamos, até “fortezinho” embora completamente sem rumo, cabeceia com a tampa da cabeça mandando a bola lá para o céu e, com muita sorte, consegue um ou outro drible, bem simplesinho, sem evolução alguma, pura perda de tempo, mas...um drible. Nunca recebe um passe, somente bola espirrada, mas, em compensação, muita bronca.
O grosso “grosso”: um pouco pior que o “meio grosso”, com o agravante de atrapalhar muito os companheiros, de tropeçar nas próprias pernas e na bola e, principalmente, usar as mãos sem medir conseqüências.
O grosso “muito grosso”: é o sem noção. Não chuta, não cabeceia, não se posiciona jamais, não carrega a bola, não passa, pula alto no arremesso lateral, corre para o lado contrário, não vê, não ouve e não fala. Toma a bola do companheiro e entrega para o adversário e fura feio na cara do gol. Um verdadeiro desastre.
O grosso “irremediavelmente grosso”: pior que o “muito grosso”, por difícil que pareça, pois além de tudo é distraído, preguiçoso e se julga muito bom. Não se afasta muito da bandeira de escanteio, grita o tempo inteiro “passa, estou livre”, desorienta taticamente o time e censura toda e qualquer jogada. Um verdadeiro esquizofrênico alucinando, um desespero, um pesadelo.
Se há sutis diferenças, há também o que os unem e fazem iguais: o sempre presente sentimento de rejeição, de menor valia e de humilhação. A vontade de acertar, o amor e admiração pelo futebol. Assolados entre o infantil sonho fantasioso de reconhecimento e glória, contraposto à dura e inclemente realidade. Frustração é o nosso lema, silêncio tolerante, o nosso hino e o apupo o nosso único aplauso.
Continua ainda esta semana!
5 comentários:
que beleza.... finalizo as horas de meu almoço com uma gostosa leitura... além de ter me enquadrado no texto... nunca fui bom de bola...
agora, de volta ao trabalho!!
Coitado do moleque!
Imagino pelo que passou.
A grande maioria é de sem talentos.
Leitura diferente.
Muito interessante.
ME ENQUADRO NO IRREMEDIAVELMENTE GROSSO. QUE TRISTEZA!
Blog muito bom.
Parabéns a equipe.
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